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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Aeroporto.



Dia triste, sozinho. Buscava algo pra fazer, comer, quem sabe. Menos desesperado que uma mulher grávida, porém desalinhado, inconformado sobre o atrasado. A Chuva só é ruim quando estamos sozinhos - era o que pensava - Pensamos. - Ela disse que viria, ela vai vir, ela tem que vir, não me deixaria como um cachorro abandonado aqui, deixaria? Não, não deixaria, é o que eu não quero que aconteça- Sobre o homem completamente sem rumo, perdido entre salas e corredores de um aeroporto. Sobre um homem que porém desesperado, ansioso, e com aquela pontinha de decepção, isso tudo, não cabia no enorme amor que sentia a um bom tempo, incontável tempo. E só de pensar que estava ansioso por vê-la, pois ainda esteve um longo tempo, mas uma parte boa da esperança se foi com o vento forte que passara à algumas horas atrás. Um buraco em seu coração se abriu lentamente junto ao nervoso de estar ali. - Se seria exagero da minha parte, isso depende, se é que me entende, parece que as horas não passam e parece que tenho tanta coisa pra lhe dizer minha pequena- Falava como um louco, sozinho. Não poderia dizer que isso me incomodava, ver pessoas triste em lugares tão você-está-sozinho me deixa completamente desolada, triste também, de alguma forma sim. Poderia dizer que ela apenas se atrasou, se esqueceu de algo e voltou, ou poderia dizer também que apenas o esqueceu, ou desistiu talvez, quem sabe. Só não aguentaria vê-lo partindo sem dizer algo e sem notar alguns detalhes. Suas roupas, o suor depois de um tempo, e seu cansaço, será que o faria desistir também? São apenas horas de atraso e naquela mente vagava pensamentos que outrora fazia seu sorriso de orelha a orelha, mas parecia que naquela hora eram os mais ruins possíveis. 
Por mais que demorasse, ou por mais que não aparecesse, ele iria procura-la, talvez em dezembro, ou talvez agora mesmo. Que saia correndo, gritando, mas que a procure de todo jeito. Se a ama e se a quer, procure, e diga o quanto sentiu sua falta e medo que nunca a encontrasse.
De repente ela aparece, é como se o mundo todo que desabou sobre suas costas flutuasse sobre sua cabeça   e naquele mesmo momento em que estava quase morrendo de desespero e raiva, naquele mesmo momento o amor aparecesse. Como se a chuva agora fosse boa. Como se tudo agora fosse mais claro. Ela não o esqueceu de maneira alguma. Foi apenas o atraso, eu tinha avisado. Foi um desespero sentido em vão. -E não foi o medo de ficar sozinho em um aeroporto, foi o medo de perde-la, nem posso me imaginar sem ela. E sim, sem ela eu estaria completamente sozinho.- 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Para uma avenca partindo.



 Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, você dentro de mim, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouco que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si próprio, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouca, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos conta, é por isso que estou tão rouca assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressiva não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde(...) 

Sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranquilo, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.