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domingo, 13 de março de 2011

Tati Bernardi -



A casa de todas as casas

Domingo besta e minha amiga me liga. Se eu quero ir ao Love Story (Rua Araújo, 232, tel 3231-3101, Centro, mulher sozinha não paga) fazer ponta de figurante no filme da Bruna Surfistinha. Como assim? Tá louca? É puta de luxo, amiga. A princípio ninguém topou mas agora a mulherada tá toda aqui no banheiro de casa, se produzindo há horas. Tamo morrendo de rir. É puta de luxo! Vem pra cá. Ok. Vou pra rir da cara de vocês. Vou de calça jeans, camiseta gola alta e tênis. Assisto as gravações, me divirto horrores rindo da cara de vocês, janto de graça, conheço a Débora Secco que acho a maior gata, paquero um daqueles garotinhos assistentes cheios de sonhos e pôsteres do Truffaut e tudo isso é infinitamente mais divertido do que ver Manhattan Connection. Saio do banho e coloco um Prince no último volume. Pra que tanto ânimo se vou botar calça jeans, camiseta e tênis? Ah, não custa nada botar um vestidinho decotado e um salto alto. Só pra ser parceira. Vão estar todas de puta de luxo e eu não posso ser tão egoísta. Aliás, puta de luxo, só percebo agora, tem um efeito halls na minha cabeça. Pu-ta-de-lu-xo. É tipo o quê? Vou estar em catálogo pra minerador? Vou receber convite pra jantar com playboy produtor de teatro naqueles bares neon "wanna be miami" do Itaim? Não, esse tem o decote muito discreto. Vão preferir minhas amigas e eu não posso perder pra elas. E esse salto tem bico redondo. Eu não sou bonequinha sexy. Eu sou uma puta de luxo. Então, bico fino, salto agulha, pulseirinha no calcanhar, vestido curtérrimo com decote até o umbigo, meia fina. Esse tipo de coisa que mulher aponta achando a coitada uma suburbana fogosa e o cara aponta achando que é a mãe de seus filhos. Coloco meu sutiã que enche mais o peito do que levar cantada do Thiago Lacerda (eu juro que já levei, mas eu tava no escuro). Realizo então meu sonho de uma vida inteira: ultrapassar 70% os limites da maquiagem permitida pra trafegar tranquilamente pelas ruas sem me confundirem com a Bozolina versão piranha. Capricho na sobrancelha preta, no batom vermelho, na sombra dourada. Me faço uma pinta no canto da boca ou não? Não. Por enquanto ainda devo estar valendo um cinquentinha. Talvez oitenta, considerando que tá tudo depilado, cheiroso e semestralmente aprovado por exames de sangue. Eu tenho toc com a minha saúde sexual. Coloco um colar de pérolas que comprei em Paris e subo pra uns cento e trinta mais o táxi. Uma florzinha no cabelo e já tô quase eu mesma pagando por uma noite comigo. Aliás, não seria nada mal arrancar toda essa roupa, botar meu pijama listrado e assistir o Manhattan Connection tomando a sopa que mamy fez. Será que vou pagar esse mico ou fico aqui? Prince diz que sim. Eu vou. Agora é torcer pra ninguém cruzar comigo no elevador. Mas se cruzarem, digo que é festa a fantasia. Para o porteiro eu digo…ah, não digo nada porque tô com o gloss que incha a boca e pinica, não dá pra falar. Taxista querido, por favor, eu sou uma fêmea vestida desse jeito indo para um puteiro do centro mas é tudo pelo amor ao cinema. Ou pelo ódio ao tédio. Sei lá. Ele nem responde. Melhor assim. Daí minha amiga me liga e diz o que jamais deveria ter dito em vida: "o diretor mandou você ir entrando no personagem". Oi? É. Tá. Reparo nos carrões que passam por mim. Ajeito o bojo fazendo conta. Quanto será que ganha uma puta de luxo? Viaja o mundo? Ganha jóias? Passa a tarde na drenagem? Tem sempre o celular tocando e nunca, jamais, divide conta com jornalista que fez sociais e ainda achou um absurdo o valor do manobrista e se recusou a pagar pela segurança do carro que confortavelmente o buscou em casa? Chega, essa vida acabou. Agora, assim como aprendi a fazer com o que escrevo, eu ia valorizar mais o que de melhor tenho a oferecer para o mundo. Na porta do Love Story, a casa de todas as casas, senti que algo de estranho acontecia dentro de mim. No caminhar duro mas requebrado, no jeito de aliviar o calor da nunca, nos olhos que sorriam lateralmente ainda que a boca e o nariz permanecessem sérios demais, prontos a farejar e abocanhar. Eu era uma puta experiente e de luxo. Uma puta que sabe o que fazer, mas não faz pra qualquer um. É isso o que eu era. E eu odiava as minhas amigas, aquelas vadias, porque estávamos lá pra competir pelo melhor partido. E nada disso me parecia novo. Eu definitivamente estava no personagem. Tive certeza disso quando retoquei o batom bem vermelho pela enésima vez e resolvi que quatorze ao invés de dois botões abertos era um número mais cabalístico. Nos intervalos das filmagens minhas amigas contavam causos do escritório, contavam dos sobrinhos fofos que tinham visitado no último domingo, contavam dos maridos e namorados que tinham aproveitado a noite livre pra tomar cerveja com alguns amigos. E eu pensava. Bela merda. Essa vidinha lá fora. Bela bosta. Quanto é que vamos faturar aqui e agora. Hein? Aquele figurante ali, de gravata, é rico mesmo? E aquele outro na mesa, de camisa aberta com correntes, paga quanto? Tati, tá tudo bem? Quem é Tati? Meu nome é Jéssica com K. E eu quero dar loucamente. Eu quero dançar ali em cima. Desce daí, Tati. Quero rebolar, quero que esfreguem dinheiro em mim, quero lamber o poste, quero suar purpurina, quero que rasguem essa minha roupa, quero esfregar meus peitos na sua cara, chacoalhar meu cabelo molhado até cair de quatro. Foi quando o diretor parou a filmagem, num alto-falante: -Tati, desce! -Rebolando até o chão? -Não, desce de cima do queijo! Desculpa querida, mas a última coisa que você tem é cara de puta. 
E esse foi o pior momento da minha vida.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Música

As pessoas seguram uma risada quase de pena. Mas se ele nem morava aqui, mas se ele não ficou mais do que uma semana com você, mas se já faz tempo que ele se foi, sem nunca ter sido. 
Então o quê? Nem eu sei. Mas sei da minha enxaqueca que já dura uma semana. Latejando sem parar. O coração que subiu nos meus ouvidos. Gritando que sente falta e pronto.
Eu sinto falta de ligar o celular, depois do avião aterrissar, e ter uma mensagem sua dizendo que vai dar tudo certo. E sorrir mesmo estando numa fila gigantesca para o táxi, embaixo daqueles 78 graus do Rio de Janeiro. Não tem poesia nem palavra difícil e nem construção sofisticada. O amor é simples como sorrir numa droga de fila. E não se sentir mais sozinho e nem esperando e nem desesperado e nem morrendo e nem com tanto medo.
Eu sinto falta de querer fazer amigos em qualquer festa, só pra conhecer gente estranha e te contar depois. Agora, eu fico pelos cantos das festas. Voltei a achar todo mundo feio e bobo e sem nada a dizer. Porque eu acho que estava gostando mais das pessoas só porque te via em tudo. Agora as pessoas voltaram a me irritar. E eu voltei a ter que fazer muita força pra sair de casa.
Quando alguém não entende o meu amor, eu lembro daquele dia que você não queria tocar violão pra mim. Até que dedilhou reclamando que não era o seu violão. Daí tentou uma música conhecida. Tentou uma menos conhecida. Daí tocou uma sua, com a voz baixinha e olhando pro nada. E então me encarou e cantou com a voz alta. E então largou o violão, me encarou e cantou bem alto a sua dor, de pé, na minha frente, e eu achei que meu peito ia explodir. E ri achando que você ia sair correndo e dar um show na padoca da frente. E naquele momento eu pensei que poderíamos ser infinitos se fossemos música. E isso explica tudo, mas ninguém entende. Você entende. Mas cadê você?
Quando vai dando assim, tipo umas onze da noite, o horário que a gente se procurava só pra saber que dá pra terminar o dia sentindo algum conforto. Quando vai chegando esse horário, eu nem sei. É tão estranho ter algo pra fugir de tudo e, de repente, precisar principalmente fugir desse algo. 
E daí se vai pra onde?

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Tudo errado.






A primeira parte da primeira vez que fomos jantar foi um completo fracasso. Eu escolhi o restaurante, eu peguei ele em casa, eu paguei a maior parte da conta porque "você que inventou de pedir o vinho" e ele estava muito mal vestido e não tinha tomado banho depois de um dia inteiro de trabalho. Erro, erro, erro. Assim que paguei sozinha o manobrista e me vi andando na chuva até ele, que aguardava o carro tranquilamente embaixo de um toldo, tive a certeza: esse não serve nem pra amigo que você cumprimenta quando cruza na rua uma vez a cada quinze anos.
Mas eu estava uns bons meses sem transar, sem o menor saco de conhecer gente nova, sem a menor cara de pau para ligar para ex namorados e ele havia sido recomendado por amigas limpinhas "vai que é bom" e, por total falta de opção numa terça fria, deixei ele subir no meu apartamento. 
Na manhã seguinte, já éramos melhores amigos. Cantamos todas as músicas do Radiohead tão alto que a vizinha de baixo bateu com o cabo da vassoura no teto. Fizemos campeonato de quem imitava melhor a dança epilética do Ian Curtis, falamos mal das meninas que usavam saltos muito altos nos domingos ensolarados, pulamos de alegria quando descobrimos que estávamos lendo o mesmo livro do Philiph Roth e ele instalou todos os aparatos eletroeletrônicos que, assim como eu, aguardavam um homem inteligente dentro de uma caixinha semi aberta.
Ele foi embora se despedindo de mim com um beijo amigo e pela primeira vez na vida achei essa ideia ótima "ele está indo embora sem promessas de amor eterno e eu não estou sofrendo nem um pouco com isso".
Sem mensagenzinhas de carinho ou e-mails fofos, seis dias depois nos encontramos de novo para mais uma maratona de sexo sem amor, e assim ficamos por uma vida. Com intervalos para quando ele arrumava uma namorada ou eu achava que arrumava um namorado. Era leve, divertido, gostoso e uma experiência incrível para a minha pessoa ciumenta: eu ajudava ele a paquerar em baladas e me divertia quando ele ligava na manhã seguinte "a mala da mina apaixonou, e agora?" E agora vamos no cinema mais tarde. E pronto.
Esse ano ainda não havíamos nos encontrado. Ele porque arrumou uma mulher bem ao seu estilo (que escolhe restaurante que aceita Visa Vale, usa chinelas crocs com meias de lã coloridas e super se preocupa mesmo com aquelas passeatas dentro do prédio de sociais da USP) e eu porque estava tão apaixonada por outra pessoa que preferia deitar na cama sozinha, só com a voz dele do outro lado da linha, a milhões de quilômetros de mim.
Ontem nos encontramos numa festa de um amigo em comum. Ele estressado, com a menina ciumenta ligando no seu celular de meia em meia hora; e eu pelos cantos, suspirando por mais um amor perdido pelo excesso.
Ficamos abraçados por horas. Meu coração não disparou e nem o dele. E só por isso o abraço durou tanto.